Na manhã do passado dia 7 de julho, protegidos do tórrido dia de verão, o Círculo de Advogados de Contencioso reuniu perto de 160 participantes, Advogados e Juízes, no Estoril, para o seu sexto encontro Diálogos Magistrados Advogados.
Foi a edição mais participada de sempre e aos diversos painéis era pedido que, em tom de desafio, questionassem se o Código de Processo Civil (CPC) era um colete de forças ou se, ao invés, os princípios da adequação formal e da gestão processual permitiam (e permitem) uma adequada administração da justiça cível.
Depois de uma breve abertura, levada a efeito pelo Tito Arantes Fontes, Presidente da Direção, entrou-se de imediato na discussão.
Coube ao primeiro painel, moderado pela Teresa Anselmo Vaz e com a participação como oradores do Juiz Conselheiro António Abrantes Geraldes e do Advogado Rui Simões, analisar a fase escrita do processo. Neste, os oradores tenderam a concordar que a fase escrita ganharia em manter a forma articulada quanto à matéria de facto, mas também ganharia em se libertar do formalismo articular quanto à exposição da motivação jurídica. Todos os membros do painel concordaram também na necessidade de reduzir a dimensão dos articulados.
A discussão prosseguiu sobre a dicotomia factos essenciais e instrumentais, tendo sido sugerido uma evolução no sentido de a fase escrita se ater aos factos essenciais, de modo a simplificar e reduzir a dimensão das peças escritas, circunstância que não foi consensual entre os membros do painel e os vários advogados que se manifestaram.
A discussão prosseguiu sobre o número de articulados, tendo sido transversal o entendimento de que a regra da inexistência de réplica salvo em caso de reconvenção, deveria cair, alargando-se a utilização deste articulado em caso de existência de exceções, com inegáveis vantagens na fase processual seguinte, ou seja, na dinâmica da audiência prévia.
A propósito do princípio da preclusão, foi pacífico o entendimento de que o mesmo deve ser mantido.
Com o mote “Audiência Prévia”, no segundo painel e com moderação do Paulo Ortigão de Oliveira, juntaram-se a Desembargadora Carla Câmara, o Juiz de Primeira Instância Tomás Núncio e a Advogada Rita Cruz. Logo a abrir, gerou-se um consenso alargado sobre a necessidade de implementar como regra a realização desta audiência por videoconferência, colhendo assim a experiência positiva do período pandémico, não sendo sequer para isso necessário fazer alterações legislativas. Os magistrados presentes sublinharam a importância da realização da audiência prévia, como sendo, a par da audiência final, a fase mais importante do processo. Sobre este ponto foi também relatado, como vantajoso, o cumprimento de todas as alíneas do artigo 591.º do CPC, tendo este rigor reflexos no bom desenvolvimento do processo. Foi também destacado que o afastamento da audiência prévia deveria ser excecional, contrariando assim a tendência, hoje muito marcada, da sua não realização.
Sobre a indicação dos meios de prova na audiência prévia, houve consenso quanto àquele que é hoje o entendimento do STJ, segundo o qual basta a apresentação de qualquer meio de prova na fase escrita para que a prova possa ser aditada nesta audiência. Também neste ponto se entendeu que o CPC, apesar de não ir exatamente nesse sentido, não é um colete de forças que impeça a apresentação da prova mais substancial na audiência prévia, quando a instância já se encontra estabilizada.
Por referência a fase da conciliação, todos se manifestaram no sentido de haver dificuldade em o juiz, que é o mesmo que realizará a audiência final, ter um papel muito interventivo na tentativa de consensualizar as partes. Nas palavras de um dos intervenientes: “o juiz deve dar valor a autonomia das partes”.
Em relação à discussão sobre os temas da prova, todos os membros entenderam que a discussão oral tem inúmeras vantagens sobre a troca de documentos escritos. Foi dada nota quer pelo painel quer pela assistência das vantagens em ser preparado pelo juiz um documento-base, entendido como uma peça aberta, a ser enriquecida pelos contributos dos mandatários durante a audiência.
A tarde iniciou-se com um painel sobre o tema “produção da prova”. Foi moderado pela Carla Góis Coelho, tendo tido a participação do Economista Joaquim Paulo, sócio da Deloitte, do Juiz Desembargador Luís Filipe Brites Lameiras, da Juíza de Primeira Instância Mariana Capote e do Advogado José Jácome.
Joaquim Paulo descreveu a sua experiência como perito no âmbito de processos judiciais e o modo como analisa a factualidade que lhe é exposta, esclarecendo ser livre e independente na sua análise e procurando sempre esclarecer o Tribunal quanto às questões técnicas mais complexas em discussão. Foi dado especial ênfase à figura do perito, quer na sua veste fornal, quer enquanto testemunha, particularmente na matéria do cálculo do dano.
A sessão evoluiu para o enquadramento da “testemunha-perito” nos elenco probatório, tendo esta matéria gerado especial controvérsia entre o painel e a assistência, considerando-se por um lado que esta deve ser admitida como meio de prova (desde que em respeito pelos princípios processuais aplicáveis e pela salvaguarda dos direitos das partes), no que não houve unanimidade, por haver o entendimento de que o depoimento poderá ser admitido apenas na ótica de um assistente que auxilia o Tribunal e não enquanto meio de prova, por falta de suporte legal.
Num segundo momento o painel debateu a possibilidade e o enquadramento do direito (ou mesmo do dever) de o Tribunal se socorrer, na fundamentação da decisão, dos factos essenciais complementares / concretizadores que emergem da prova produzida no processo, ainda que não alegados pelas partes na fase escrita ou na fixação dos temas da prova.
O último painel foi moderado pelo Professor Rui Pinto Duarte, tendo como oradores o Juiz Desembargador Manuel Soares, a Juiz de Primeira Instância Maria João Calado e o Advogado Ricardo Guimarães.
O painel discutiu com grande profundidade a vantagem de se retomar a alegação na abertura da audiência final, tendo sido gerado algum consenso em torno de haver vantagem em adequar o processo para esse fim, quando a complexidade e dimensão o justificassem, no que foi contraposto que a tese do legislador ia no sentido de tal alegação caber na audiência prévia, a qual deveria anteceder em muito pouco tempo a audiência final. Quanto a este último argumento, resultou claro para todos os presentes que a prática veio infelizmente a afastar essa desejada proximidade.
Seguiu-se um desafio lançado pelo moderador: Fixação de tempo na inquirição das testemunhas. Não sendo consensual o entendimento, quer de Magistrados quer de Advogados, por todos foi assumido ser da maior utilidade haver um calendário indicativo discutido e acordado entre as partes e o tribunal, de modo a haver suporte para programação da audiência e, a partir desta, da própria decisão final.
Aberto o debate à audiência, os Advogados que intervieram referiram ter prática em lidar com fixação de tempo, chamando a atenção para a necessidade de uma evolução no processo, de molde a tornar mais atrativo o recurso ao depoimento escrito, seguido de eventual instância pela parte que não ofereceu a testemunha.
Foi colocado em debate, por último, o tema de decisão final, em especial o modo e a extensão da sentença. Houve um consenso deveras marcante sobre a absoluta necessidade de reduzir a extensão da decisão e em particular a dimensão da fundamentação. Todos estiveram de acordo em que a sentença ganha em ser sucinta, não só em inteligibilidade, como também em rapidez na sua elaboração.
Das diversas intervenções da plateia, todas em geral concordantes com o painel quanto à forma e extensão da sentença, ficou também patente a existência de uma deficiente organização humana e logística dos tribunais de Primeira Instância, circunstância que prejudica em muito a agilização da função do julgador.
Circunstância comum a todos o encontro foi a existência de um verdadeiro diálogo entre os painéis e a assistência. As inúmeras intervenções da plateia, normalmente suscitadas durante as intervenções dos oradores, tiveram grande qualidade e profundidade, assim demonstrando que quem se inscreveu e esgotou o evento tinha verdadeiro interesse e conhecimento das diversas matérias trazidas a debate.
Os trabalhos foram encerrados, ao princípio da noite, pela Vogal da Direção Rita Gouveia, a qual, para além de agradecer aos moderadores e oradores as excelentes organização e qualidade que imprimiram aos diversos painéis, assegurou que o Círculo de Advogados de Contencioso não deixará de fazer eco das conclusões atingidas nesta sexta edição dos Diálogos Magistrados Advogados.